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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

MEU CORAÇÃO FOI PASSEAR (PARTE II: O RETORNO) - MY HEART WAS WALK (PART II: THE RETURN)

POR MARI MONTEIRO




Tardou. Pareceu uma eternidade. A sensação física não era pior que a espiritual. No meu peito, obviamente, um vazio. Engraçado (apenas ligeiramente engraçado), é que este vazio era maior que o espaço ocupado pelo meu coração. A ausência do som costumeiro feito por ele, num velho ritmo conhecido, era ensurdecedora, irritante até. Mas isso tudo era, digamos, suportável, talvez pela previsibilidade da física e da biologia.

Mas, confesso, a ausência espiritual foi algo quase insuportável. Digo “quase”, porque, caso ele se demorasse mais alguns segundos, eu não estaria mais à sua espera. Teria descumprido a promessa. O fato de conhecer sua ausência física agravou o vazio espiritual e potencializou todas as demais preocupações. Sim. Preocupei-me com as aventuras dele fora do meu corpo. Pensava coisas descabidas (ou não!) como: “estaria ele sentindo frio?”; “Sofrido algum arranhão”; “Encontrou-se com outros corações a vagar por aí e esqueceu o caminho de volta?” Sabe como é.  Estamos falando do MEU coração, portanto...

O que mais atordoava meus pensamentos era a expectativa acerca dos pedidos que havia feito a ele (aqueles sobre voltar “leve”, carregando apensa o que valesse a pena). Pensava na possibilidade de ele voltar mais pesado ainda ou, pior, tão leve e vazio que estranhasse o espaço que deixara em meu corpo. Por vezes seguidas perdi o sono, perdi a fome, perdi as lágrimas e o riso.

Apesar de ciente de que esta era uma experiência, acima de tudo, atemporal, na minha pele e na minha mente, ele estava fora há décadas. O que consistia mais um motivo para que ele voltasse diferente, preferencial e ousadamente do jeito que havia lhe sugerido. Mas, há um pequeno detalhe: a vontade própria do meu coração que, até então, não conhecia.

Num dado momento, quando já não suportava mais minha respiração artificial, sem profundidade, deitada de costas n aminha cama, sinto algo sobrepor-se ao meu peito como que rasgando a pele, rompendo músculos, quebrando ossos e remexendo tudo dentro de mim para acomodar-se. Ele estava de volta. E, do modo como retornou, deveríamos, no mínimo, ter um dedo de prosa (como diria minha avozinha).



Certamente, um tanto desconfortável com uma dor suave que se espalhava pelo meu corpo inteiro eu decidi iniciar a conversa. Sabia. Deveria ser direta. Tinha pressa em saber de tudo e, mais, em me livrar da angústia de conjecturar como seriam meus sentimentos de agora em diante. Primeira fala:

 - Por que chegou assim, de surpresa?

- Não me disse que precisaria de permissão para retornar.

- É. Não disse.

- Além disso, já havia feito muito mais do que me pedira que fizesse.

Este “muito mais” causou uma pontada gélida no meu umbigo. (Um-bi-go... não sinto frio no estômago como todos, mas no umbigo..., mas isso é uma outra história). Continuei o que mais parecia um interrogatório. Mas eu não queria interrogar meu coração, queria conversar com ele. Assim, decidi ser mais branda e ouvir mais do que falar.

- Pois, bem meu saudoso e amado coração, me conte tudo que viu, sentiu e ouviu.

- Primeiro, senti muito frio fora do seu peito. Não sabia o que era sentir frio. Depois, senti muita solidão, também não sabia o que era isso. A luz lá de fora quase me cegou, pois até então, só enverguei através dos seus olhos e você sempre os protegeu da luz muito forte. Para tentar entender o que estava acontecendo comigo, tracei uma estratégia de sobrevivência sem você. Aproximei-me de outros corações. Cada novo instante me apegava a um coração diferente. Às vezes, mais velho que eu, ou mais jovem, mais ou menos feliz que eu, mais ou menos apaixonado.

- Isso deve ter sido incrível pra você. Imagino que você, depois desta “longa” aventura, tenha se tornado um coração mais sábio e, conseqüentemente, tenha sido capaz de fazer tudo que lhe pedi.

- Não se engane minha querida. Estou mais sábio, sem dúvida, mas nem por isso mais capaz de atender seus pedidos.

- Como não?

- Descobri que, um coração não é tão diferente do outro assim. O que mudam são as prioridades de cada um. E, quanto a isso, você, que é meu “abrigo” e seu espírito tem uma grande parcela de responsabilidade. São vocês quem decidem o que ocupa maior espaço em nós.

- Não concordo. Muitas coisas que sinto – como as dores de amores, por exemplo – não foram escolhidas. Ninguém em sã consciência deseja sofrer de amor, deseja perder um ente querido ou padecer da dor da saudade.

- É justamente a ordem e os espaços que você estabelece para os sentimentos e para as pessoas aqui dentro que desencadeiam todas as lágrimas... Ou todos os risos. Conheci corações, cujas prioridades são as coisas. São corações embrutecidos, não tem muitos amigos e moram num corpo que não sorri, possui uma fisionomia sombria e carrancuda, acha que todos o perseguem e desconfiam de toda e de qualquer aproximação. 

Outros corações reservaram amplo espaço para a generosidade, para o amor incondicional, para a tolerância. Estes são os mais felizes. Habitam corpos sorridentes e luminosos, corpos que também choram, mas o choro justo e não medíocre ou oportuno de muitos. Estão sempre rodeados de amigos. Amigos VER-DA-DEI-ROS. Conheci também um terceiro tipo de coração, o qual considerei mais pernicioso que o primeiro: o coração indiferente. Nele há espaço para tudo e para nada. Entra e sai quem quer. Nada ali cria raízes ou deixa suas marcas boas ou ruins. Tudo nele é superficial: a cor é um vermelho descorado, não bate com força, não quer companhia. Ele não está, de verdade, habitando aquele corpo e aquela alma. Tive medo deste coração. Afastei-me logo dele.

- Isso é triste. Dói.

- Mas, enfim, quanto ao que combinamos quando parti, como disse, não depende de mim a leveza ou o peso que sente no seu peito, escolher a quem amar mais ou aquém querer menos. Porém, sinto – me feliz em retornar para teu peito.

Nesse momento, senti um aperto diferente no peito. Não era aquele aperto de angústia. Era um aperto que mais parecia um abraço. Meu coração me abraçava. E pude experimentar uma sensação ímpar de gratidão e de afeto tão fortes que não parecem deste mundo. Por fim, ele disse.


- Eis me aqui de volta. Também tenho livre arbítrio e decidi voltar para você, para seu corpo que me abriga e para seu espírito que me acolhe. Aqui sempre coube um pouco de tudo que encontrei de bom “lá fora”: generosidade, amor incondicional, paixão (embora muitas vezes, você quebre a cara, mas mostra sua ousadia), um tanto de tolerância, quase nada de ganância (o que pode até ser ruim dependendo do ponto de vista, se bem que, no momento final, seremos apenas “nós”... nada material estará conosco...). Ah!!! Estava me esquecendo. Voltei, principalmente, porque aqui ainda há espaço de sobra pra você acomodar muitos outros sentimentos e pessoas... Quanto a mim, posso prometer ajudá-la. Serei seu guardião. Sempre que alguma mágoa quiser se alojar aqui dentro, tratarei de expulsá-la. O rancor, o desamor, o egoísmo e todos os sentimentos que minam “nossa casa terrena” e que impedem que perdoemos que amemos desinteressadamente e que vivamos plenamente não encontrarão moradia aqui... E olha que não será tarefa fácil. Mas, aprendi a te amar e farei isso por NÓS!

- De minha parte, também farei uma promessa. Manterei meu corpo em festa. Assim como havia prometido quando você partiu. Com muitas cores  e muito brilho no olhar. Pedirei o mesmo ao meu espírito. Sei das dificuldades de cumprir tal promessa, mas é aí que reside o desafio. Você voltou por amor a mim. E farei isso por amor a todos aqueles que se aproximarem. Creio que estaremos bem assim... Não acha?

- Só mais um pedido... Posso?

- Todos!



- Não me peça mais para deixar teu corpo, apenas cuide de mim, do seu espírito e, aí sim, estaremos bem!

OBS. Artigo escrito originalmente em 21/11/2011.

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