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EDUCAR É, ANTES, SENTIR... E TODOS SÃO CAPAZES DISSO.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O QUE VOCÊ ME CONTA DE NOVO OUTRA VEZ? (WHAT YOU NEW ACCOUNT AGAIN?)

POR MARI MONTEIRO



Imagine que daqui alguns minutos todos os aparelhos eletrônicos de comunicação desaparecerão por completo da face da Terra. Qual seria sua primeira reação? Considerando que temos inúmeros trabalhos iniciados; que nossos contatos estão todos gravados em aparelhos; nossos registros fotográficos estão todos em arquivos; nossas pastas com nossos textos e artigos preferidos desapareceriam; assim como nossos perfis... Nossa identidade sofreria algum tipo de “dano”?


Afirmar que o ISOLAMENTO SOCIAL DECORRE do uso exagerados DAS MÍDIAS SOCIAIS pode parecer um paradoxo; pois, a princípio estas se prestariam a aproximar as pessoas, principalmente as que estão mais distantes. Mas, o isolamento e o distanciamento são cada vez mais nítidos. E não me refiro apenas aos nascidos na Era Digital, refiro-me a nós todos, adultos, supostamente maduros e munidos de discernimento. Estamos todos fascinados por esse mundo de imagens e de poucas palavras. Estamos, inclusive, amedrontados no sentido de ficarmos para trás caso não possamos acompanhar tudo o que acontece no mundo e em tempo real.




Mesmo quando se trata do ambiente doméstico, os comportamentos mudaram muito. Na mesa de jantar, quando conseguimos reunir a família, os celulares já fazem parte da mesa. Vejo pessoas que comem com uma mão e digitam com a outra.  É como se os demais não estivessem ali. ISSO É SINTOMA DA TOTAL FALTA DE EQUILÍBRIO; BOM SENSO E DE EDUCAÇÃO.  Não se tratando de doença ou morte, toda ligação ou chamada de whats pode esperar para ser retornada.


Temo que o próximo passo seja (já percebo isso em algumas pessoas) o medo do toque, do abraço, do afago... E, neste quesito, PERDEMOS PARA OS ANIMAIS. Alguma s espécies se socializam melhor que nós: andam em bando; cuidam de seus filhotes; brincam; trocam afagos etc.




E quanto ao ato de escrever então? Quanto sacrifício! Independentemente do tema, a pessoa não quer saber. Simplesmente quer acabar logo com o que passou a ser considerada uma forma de tortura. E a maioria só o faz quando se trata de algum concurso, vestibular, avaliações etc... Caso contrário, solicitar um comentário com o mínimo de dez linhas configura uma afronta.   Deixar bilhete, de próprio punho, pra alguém é luxo! Ah! E mesmo no Whats, há como fugir da escrita, basta o interlocutor “ditar” a mensagem e o App escreve sozinho! Isso me fez lembrar uma palestra de Rubem Alves em que ele falava da carta de amor.

“Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel.” (Rubem Alves)

Relendo isso, penso nos emoticons enviados pelo Whats (também os envio); e, na maioria das vezes, querem dizer: “Li sua mensagem, mas se contente com isso porque não quero escrever agora...”. Se não vai se dignar a responder à altura, não leia, não adicione ninguém, não tenha whatsApp criatura! Retomando a questão da carta a que se refere Rubem, se para o amante o que importa é tocar o papel que outrora foi tocado pela pessoa amada, o que fazemos com o celular quando recebemos um whats já que o aparelho é nosso mesmo e somente nós mesmos o estamos tocando?






Não me conformo com esse distanciamento da LEITURA; DA ESCRITA; DO DIÁLOGO; DA AFETIVIDADE. Isso tira toda a essência de sermos humanos no sentido mais amplo da palavra, já que os aspectos que nos diferem dos animais (ao menos, por enquanto) são a escrita e a fala. Quanto à fala, ainda falamos, mas nem sempre somos ouvidos. AS PESSOAS SIMPLESMENTE NÃO QUEREM OUVIR. Perderam o interesse pela história do outro, pela voz do outro e, dessa maneira, até mesmo aqueles que gostam muito de conversar por horas (como eu rsrrs), vai se calando, dizendo cada vez menos... Às vezes, sentindo até medo de iniciar uma conversa. A pressa das pessoas é nítida: elas mordem os lábios, olham mil vezes para o celular enquanto falamos (isso quando não parma de nos ouvir para atender uma chamada que poderia ser retornada depois); balançam as pernas; enfim, dão uma série de demonstrações do desinteresse total pela conversa. É A MORTE DO DIÁLOGO. E A MORTE DO DIÁLOGO É A MORTE DA QUALIDADE DAS RELAÇÕES HUMANAS.




Estamos todos desenvolvendo hábitos PERNICIOSOS relacionados às novas tecnologias. Acho até que assim que terminei de digitar a última letra da palavra “tecnologias”, esse termo já ficou obsoleto. Assim como a corrida para possuir celulares (ops, as pessoas gostam de dizer “IPhones”, Smartphones...rsrs) é algo extremamente ridículo. A criatura tem que entender que assim que ela compra o último modelo do Iphone “mais top” lançado no Brasil, já existe outro sendo lançado, muito mais caro e com muito mais recursos. O que faz disso um a “corrida” em círculos, como burros que correm para tentar abocanhar uma cenoura presa à sua frente.




Mas, otimista que sou, reconheço os benefícios da tecnologia que, a propósito, são muitos. Sou muito ativa nas Redes Sociais. E sempre gostei disso e já conquistei muitas coisas boas através delas, inclusive amizades duradouras e muito aprendizado... Tudo é uma questão de escolhas. Não é à toa que temos “PERFIS” nas redes, eles dizem muito sobre quem somos e como somos como pessoas... Obviamente, há exceções... Ou seja, perfis que não correspondem à realidade da pessoa, aí – me desculpem – mas é uma questão de falta de identidade (ou de caráter mesmo!). A este respeito tem uma banda que gravou um clipe em forma de animação que ilustra bem o que acredito... Sobretudo, quando as pessoas são sinceras em suas redes.






Retomando a questão do diálogo, sobre o que falamos ao final do dia? Falamos sobre o que vivenciamos de fato ou sobre o que lemos ou vimos na internet? E esse “lemos”, quase via de regra é algo muito conciso, caso contrário, NÃO LEMOS. Observem as conversas entre seus familiares e amigos. Quando conversam, ou o fazem pelas redes e isso inclui o whatsApp ou eles conversam sobre os “conteúdos” destas redes. Não há mais espaço para histórias PRÓPRIAS; pensamentos PRÓPRIOS.  Estamos nos limitando a compartilhar o que já foi compartilhado.  É preciso nos distanciar de tudo, nos desconectar, “IR PRO MUNDO” para RETORNAR com histórias novas para contar.  Paulo Miklos, integrante da Banda Titãs, em uma de suas excelentes composições cantou algo que faço questão de compartilhar, mesmo porque não toca no rádio...


No dia 24/08 assisti ao programa “Papo de Segunda” (na Rede GNT – RECOMENDO –todas as segundas às 22h) e usou a expressão: "trabalhar 24/7"; ou seja, estar disponível em tempo integral. Isso me fez pensar que nunca saberemos quando será o último abraço; como será o último retrato em família; o último beijo... Somos reféns de uma vida "fast"... A questão é: "Estou disponível para o quê e para quem?” Minha resposta é: "Estou disponível apenas para o que vale a pena; para quem merece meu tempo.”. Gostei muito de pensar sobre isso. Concluí que quero a ESSÊNCIA de tudo e não as “carcaças”, sejam dos celulares à prova d’água, sejam das pessoas que enrijecem cada vez mais nervos e pele... Que já não arrepia mais, não sente mais... Tal como Rubem Alves, eu quero a ESSÊNCIA.



“... Sem tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em lugares onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte... Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a ESSÊNCIA, minha alma tem pressa.” (Rubem Alves)



De qualquer modo, não estou escolhendo entre tecnologia e isolamento ou diálogo e relacionamentos. Estou e SOU a favor do EQUILÍBRIO. Acredito que seja possível tirar o máximo de proveito possível das ferramentas tecnológicas. A gente pode se divertir; aprender; encontrar e reencontrar amigos; até encontrar amores. (conheço casais que se conheceram pela internet, se casaram  e vivem bem  há muito tempo).  Sou contra a ALIENAÇÃO e o AFASTAMENTO DOS SER HUMANO NO MUNDO REAL; contra ao “ATROFIAMENTO DA FALA”; contra o vocabulário cada vez mais minimalista... No mais, escolho e fico com o que é bom. Exemplo disso é esse clipe que diz muito sobre avançar no tempo sem perder a essência; ser high- tech e, ao mesmo tempo romântico... Despeço-me com esta canção... Afinal, compartilhar é o verbo da vez... 







quinta-feira, 20 de agosto de 2015

PROFESSOR AGRIDE ALUNO! E O CIRCO ESTÁ ARMADO! (MUGS STUDENT TEACHER! AND THE CIRCUS IS ARMED!)

POR MARI MONTEIRO





NADA JUSTIFICA A VIOLÊNCIA. Sobretudo, no caso a ser discutido, em que o Professor é o adulto da relação e, supostamente, a pessoa com DISCERNIMENTO suficiente para não ceder às “tentações” (PONTO!). A partir daqui, sejamos honestos: como somos TENTADOS e TESTADOS diariamente em nosso ofício! Outro fato: EXISTEM CRIANÇAS E ADOLESCENTES MAUS. Tão maus, que chegam a ser diabólicos. Conheço casos seriíssimos e, acreditem, não estou exagerando. (Qualquer dia eu postarei um relato de experiência de arrepiar os cabelos, protagonizado por uma “DOCE CRIANÇA” de NOVE ANINHOS!).

Sobre a notícia veiculada em 20 de agosto sobre a Professora que agrediu o aluno que se recusou a entregar o celular, certamente, não tomarei o partido dela. Contudo, dando uma passada rápida pela coletânea de vídeos que existem na internet sobre situações de violência em sala de aula, notei algo relevante e INTRIGANTE: os vídeos que mostram alunos sendo agredidos são amplamente vistos e divulgados; enquanto que os vídeos que mostram professores sendo agredidos possuem um número bem restrito de acessos. Considero relevante, porque em minha opinião, no mínimo, os dois lados deveriam ser igualmente dignos de análise e de reflexões.

“Uma professora foi flagrada dando uma "gravata" em um aluno dentro da sala de aula, porque ele se recusou a entregar o celular para ela. A pedagoga foi afastada das funções pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo até que o caso seja investigado.” (In.  http://videos.r7.com/professora-agride-aluno-que-se-recusou-a-entregar-o-celular-em-sala-de-aula/idmedia/55d5c23b0cf2232331d71615-1.html  - Neste mesmo link, é possível ver o vídeo gravado por outro aluno da classe (é necessário copiar e colar o link). O que comprova que, na maioria dos casos, os alunos usam E ABUSAM DO USO DE CELULAR em sala de aula.



Mais uma vez, reforço: NÃO CONCORDO COM A ATITUDE DA PROFESSORA EM QUESTÃO. Contudo, vamos ponderar; tentar imaginar as cenas e as circunstâncias que antecederam a gravação veiculada pela mídia. Há quanto tempo esta professora vinha solicitando ao aluno que guardasse o celular? E quanto aos outros alunos? Praticamente todos os alunos levam celular pra sala de aula e ficam usando durante a aula sim! Existe a Lei Nº 4.131/2008 que é pra ser cumprida. Ou não??? Fato é que TODOS NÓS FAZEMOS VISTAS GROSSAS HÁ ANOS  sobre uma série de conflitos em sala de aula e, na hora do chamado “surto”, qualquer coisa serve de estopim. Dessa vez foi um celular; pode ser uma palavra mais áspera; pode ser até mesmo um determinado jeito de olhar. Quem saberá? 


Ainda há pouco, conversei com uma colega de profissão e comentamos sobre o quanto os colegas estão sonhando com a aposentadoria... E, pior, o quanto estão CANSADOS!!! Não que antes os professores não quisessem se aposentar, claro que sim. Todos querem e com muita “pra gozar no final”, como diz Rita Lee. Ocorre que agora isso virou “O” FOCO! Conheço professores e diretores que se aposentaram há dez anos e estão muito bem (mental e fisicamente!). Em contrapartida, os que estão se aposentando agora se encontram cansados, esgotados mental e fisicamente; contam nos dedos os anos que faltam. Se isso não é um sintoma de algo está muito mal na nossa profissão, não sei o que é!



Enfim, este é assunto que precisa ser amplamente tratado e discutido nas escolas, contando com o envolvimento de TODOS (pais; alunos; professores; funcionários; especialistas etc.). A propósito, o que fazemos com o slogan: “TODOS PELA EDUCAÇÃO”?  Todos quem? Que educação? A verdade é que FALTA EDUCAÇÃO NA EDUCAÇÃO! 

terça-feira, 18 de agosto de 2015

FILME RECOMENDADO: “PARA SEMPRE ALICE “ (STILL ALICE)

POR MARI MONTEIRO


Imagine a seguinte situação: num dia qualquer, no auge de sua carreira e da sua vida pessoal, de repente, começa a lhe “fugir” algumas palavras; palavras muito familiares ao seu cotidiano, à sua especialidade. Em outros momentos, você simplesmente não consegue voltar para casa após uma corrida feita há tempos no mesmo local. Preocupante, no mínimo...




No filme “PARA SEMPRE ALICE”, questões relacionadas ao Mal de Alzheimer são abordadas de modo IMPACTANTE e PROFUNDO. O que nos remete a muitas reflexões. Eu, particularmente, me “vesti” da personagem Alice e vivenciei todos os seus dramas e todos os seus medos. A propósito, medos que me rondam desde a infância: medo de esquecer rostos; olhares; nomes; lembranças; momentos... Deve ser daí que advém a minha “quase fixação” por retratos (não gosto de falar fotografias). Eles nos ajudam a relembrar, eternizam momentos que, obviamente, só podem voltar em nossas lembranças... Mas, e se eu me esquecesse de tudo?

Além disso, o roteiro traz abordagens muito interessantes sobre as alternativas encontradas por Alice para prorrogar o máximo possível suas lembranças.

Enfim, sempre que termino de ver um filme, fico com que mais me tocou. Posso contar isso aqui porque não considero um spoiler e a interpretação de filmes, livros etc é algo muito pessoal. Nesse caso, fico com a valorização dos pequenos acontecimentos que, muitas vezes, não passam despercebidos e; por isso, logo são esquecidos. No entanto, estes momentos podem ser as lembranças mais belas que temos de nossas vidas...

 
Para encerrar, por ora, quero compartilhar um texto no qual, empregando uma ironia peculiar, Rubem Alves complementa a temática abordada no filme. Vale a pena ler... Deleite-se e; sobretudo, não se esqueça dele tão cedo.




Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.



Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakovski suicidou-se. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.



Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as ideias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem-unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa...




Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.



 

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes.




Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.




Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que chamar psiquiatras e neurologista, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para lidar com o software há que fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.




Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.




Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente contraindicados. Já o rock pode ser tomado à vontade. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.




Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram.




terça-feira, 4 de agosto de 2015

EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: PROGRESSÃO CONTINUADA OU REGRESSÃO CONTINUADA? (CONTINUED PROGRESS OR REGRESSION CONTINUING?)

POR MARI MONTEIRO



PROGRESSÃO CONTINUADA. Eis um assunto que sempre trago à tona. Principalmente, quando chegam às minhas mãos atividades, no caso de Língua Portuguesa, relacionadas a alunos com muita dificuldade de aprendizagem. As atividades que vi hoje consistem em alguns ditados e escritas espontâneas de dois alunos de 5º ano. Eu escrevi 5º ano!!! Nestas atividades, os alunos, literalmente, apenas escreveram o próprio nome. As demais escritas eram ilegíveis. Porém, “DEDUZÍVEIS”! E, em minha opinião, é JUSTAMENTE NO FATO DE O PROFESSOR DEDUZIR O QUE ESTÁ ESCRITO É QUE ERRAMOS! E ERRAMOS FEIO! Seguem outras atividade de sondagem (é assim que chamam o procedimento "incansável" de verificar se o aluno evoluiu ou não - com ditado de palavras e frases!). ESTAS ATIVIDADES TAMBÉM SÃO DE ALUNOS QUE ESTÃO NO 5º ANO!!!


















Já disse isso em outras ocasiões. Não se trata de encontrar culpados; mas que eles existem, EXISTEM! Penso que, no exato momento em que foi colocada a expressão “PROGRESSÃO CONTINUADA”, ela soou bem, nos pareceu algo positivo; afinal, pensamos: “quem não quer progredir continuamente”? Eu até acredito na BOA INTENÇÃO DE TODOS. Mas, ao começarmos a ADIVINHAR O QUE ESTAVA ESCRITO NAS ATIVIDADES DOS ALUNOS QUE NÃO SABIAM ESCREVER, começamos também a traçar uma trajetória de fracassos relacionados ao aprendizado real e à possibilidade de continuidade nos estudos.


Daí surgiu a FAMIGERADA classificação (e não me importo com possíveis xingamentos de alguns colegas docentes, conheço profissionais que DEFENDEM de forma ferrenha esta “avaliação”) na qual os alunos são “classificados” em: alfabéticos; silábicos; silábicos sem valor; silábicos com valor; pré-silábicos...  Depois disso, percebi que estava tudo acabado. ADEUS EDUCAÇÃO DE QUALIDADE! Não sei exatamente há quantos anos a Progressão Continuada vem sendo praticada no Brasil. O que sei é isso NÃO MELHOROU EM NADA A QUALIDADE DA NOSSA EDUCAÇÃO. Caso contrário, o Brasil não ocuparia uma posição tão vergonhosa no Ranking Mundial de Educação.


http://www.cartacapital.com.br/educacao/brasil-e-60o-de-76-paises-em-ranking-de-educacao-8400.html




Sempre me posicionei de forma muito objetiva quanto a referida forma de classificação que, para mim, nada mais é do que uma forma “rebuscada” de justificar  QUALQUER MÍNIMO SUPOSTO AVANÇO que o aluno tenha de um bimestre para outro para APROVÁ-LO, sob o pretexto de que ele EVOLUIU. E meus questionamentos sempre foram:

- Evoluiu ao ponto de ser aprovado E ACOMPANHAR OS CONTEÚDOS da série seguinte?

- Até que ponto aprovar o aluno que NÃO SABE é positivo pra ele?

- Como será a continuidade do trabalho pedagógico do professor da série seguinte? Ele também ficará ADIVINHANDO O QUE O ALUNO ESCREVE e, com base nisso, decidirá se ele “passou de fase”, ganhou “vida extra” ou foi game over?

- Há quem defenda que o aluno não pode repetir, pois se sentirá excluído e marginalizado. Pra essas pessoas, eu pergunto: “E quem (e o que) impedirá que ele se sinta excluído e marginalizado numa sala de sexto ano consciente de que não está conseguindo acompanhar as aulas, os conteúdos, os colegas???”. APROVAR ALUNO QUE NÃO ESTÁ APTO TAMBÉM É EXCLUIR. Apenas se adia a exclusão.

- E, no caso do 5º ano, onde sempre atuei e discuti de forma mais incisiva a progressão continuada, o aluno cujas leitura e escrita são completamente deficientes  e que, claro, será  aprovado para o SEXTO ANO, continuará sendo ATENDIDO E ENTENDIDO pelos professores de cada área?




Sobre este último questionamento, sempre soube a resposta, porque atuei também no Fundamental II e no Ensino Médio.  A resposta é: NÃO. ELE NÃO SERÁ ATENDIDO E ENTENDIDO e, muito menos, tratado como foi no Fundamental I. E os motivos são óbvios e até justos:

- subentende-se que se o aluno está no sexto ano, minimamente, ele escreve com autonomia e lê com uma fluência suficiente para dar conta do aprendizado dos conteúdos;

- a dinâmica de ensino é outra, muitos professores, mais matérias e cada professor com sua “metodologia”;

- cada professor possui um número mais elevado de alunos (tanto por sala como no total de sua turmas/séries).


Eu disse que os motivos são óbvios. Tão óbvios que, mesmo por isso, até podem passar despercebidos (quero crer) por aqueles que aprovam os alunos sem as devidas condições. Soma-se a isso a necessidade de PONDERAR SOBRE COMO O ALUNO COM DIFICULDADE SE SENTIRÁ NO GRUPO. Ou seja, o provável aumento das dificuldades de aprendizagem minará sua autoestima e sua segurança. Uma vez inseguro e sentindo-se incapaz, a evasão é apenas uma questão de tempo.






Aqui cabe uma ilustração, mais que isso, um fato que ocorreu no primeiro dia em que voltei pra escola neste semestre. Reencontrei uma aluna que não via há uns sete anos. Estava no portão da escola e ela chegou com sua mãe e foi logo me abraçando e dizendo: “Prô, que saudade!”. Não fosse esta frase, talvez eu não entendesse nada. Ela está muito diferente. Uma moça alta, maquiada, de salto alto. Foi minha aluna no  ano 5º ano (APROVADA PELO CONSELHO COM RECOMENDAÇÃO DE REFORÇO NA SÉRIE POSTERIOR – balela, nunca encontrei nenhum aluno com dificuldade no Fundamental II, que  estivesse tendo reforço.). Conforme a gente foi se falando, depois de alguns segundos, já me lembrava até do lugar em que ela se sentava na sala. E, eu com minha mania de acreditar sempre no melhor, fiz a pergunta clichê: “ E então, está terminando o Ensino Médio?”... Silêncio! A mãe se apressou em dizer: “Nada professora, ela largou de mão os estudo (sic).” “Oi? Como assim criatura?” – Ninguém estranha, sempre foi meu jeito de falar com todos meus alunos. A mãe se apressou em explicar já que a moça abaixou a cabeça constrangida.

- Ela deixou no sexto ano professora. Foi mais não. Agora a gente veio fazer a inscrição pra ela terminar os estudos, pra poder trabalhar.

“Entendi. Faz bem.” Disse eu à mãe, me lembrando de uma faixa da EJA (Educação de Jovens e de Adultos) em frente á escola informando os prazos de inscrição para os cursos.


Alguns (talvez muitos), EQUIVOCADAMENTE, que sou favorável à reprovação. Para constar, deixo claro o seguinte: não acredito em uma educação que permite que o aluno “saia” do 3º ano do Ensino Fundamental I sem saber ler e escrever. Surgiu há pouco, não sei precisar agora, o PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (ver mais no link: http://pacto.mec.gov.br/component/content/article/2-uncategorised/53-entendento-o-pacto ), que é quando? Aos oito anos de idade. Bingo! Eu nunca estive de tudo errada. Sou a favor de uma APROVAÇÃO CONSCIENTE E REAL, inclusive para os pais, eles merecem saber o que o aluno sabe ou não  e a QUALIDADE do que ele sabe. Logo, entre aprovar um aluno sem saber ou reprová-lo para que ele, no mínimo, continue contando com um atendimento mais individualizado e com possibilidades de reforço efetivo, eu reprovaria sem a menor culpa.


Enfim, este é um assunto para infindáveis páginas e discussões. Por ora, ficarei por aqui frustrada com as constatações de um fracasso escolar que, acredito, ganhou “forças” com  a tal progressão continuada que, na verdade, não oportuniza nenhum progresso; ao contrário, ficamos (professores e alunos) andando em círculos ou, pior, REGREDINDO.  Visualizar esta situação pode ser mais fácil do que parece. COLOQUE-SE NO LUGAR DE ALGUÉM QUE NÃO ESTÁ APTO PARA PROSSEGUIR OS ESTUDOS (para ser aprovado, é assim que aparecem na documentação), pense como você (ou um filho seu) se sentiria quando os professores do 6º ano dissessem coisas do tipo: “Abram as apostilas e leiam a página 32.” (considerando que você também será convidado a ler); “Agora produzam um texto a partir do tema escrito na lousa para ser entregue no final desta aula”... Pensou? Visualizou o que faria nas situações colocadas? Gostou da sensação? Então. É isso. Caso tenha gostado ou ficado indiferente, lamento sua falta de sensibilidade. Agora, se algo te deixou desconfortável, repense a progressão automática. Ou melhor, pensemos juntos sobre o que ela “PROMOVE”.



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