POR MARI MONTEIRO
Ao acaso, me lembrei de todas AS DORES DESNECESSÁRIAS que
senti. Desnecessárias agora. No momento, me pareciam a única e até a justa
alternativa. Mas, o melhor desta vida é que podemos APRENDER com o tempo e com
a vivência. A propósito, tudo para mim é
passível de aprendizado. E, nisso, aprendi também a inventar outra vida pra
mim.
Lembro-me dos sapatos apertados que calcei. Que dor
terrível! Isso ocorria ora por não ter outro; ora porque a ocasião pedia...
Aprendi a dizer: "DANE - SE A CONVENÇÃO" . Não se assuste quando olhar para o lado e se deparar comigo caminhando a pé - em
qualquer lugar aberto ou fechado – segurando um par de sapatos. Não ligo a
mínima... Essa dor eu não sinto mais.
Lembro – me do medo de apanhar sem saber nem o porquê.
Sofria duas vezes: a agonia da antecipação e a dor física. Hoje, em sã consciência,
NÃO ME BATEM MAIS. Essa certeza já me livrou da agonia. E, se acontecer, terá
sido por alguém desconhecido, sem valor algum para mim.
Ainda sinto algumas dores e medos. Estou viva! Não aprendi a
ser imune. Mas, ter consciência de que são em menor número e menor intensidade,
me permite compreender que cresci e aprendi. Todas as dores e medos me foram
muito úteis. Sou mais tolerante hoje. Mais paciente... Não que eu as tivesse
merecido todas; mas talvez eu não fosse a pessoa que sou se não tivesse enfrentado as
situações. NADA AINDA ME MATOU.
Das cicatrizes, a gente não se livra facilmente. Mas,
daquilo que antes fora tão ruim ponto de fazer sofrer... A gente vai se
livrando pelo caminho... E não é que a gente amanheça diferente. É
lentamente... Muito lentamente aprendo a decidir quando me calo e quando falo.
Mais uma coisinha sobre isso: SINTA-SE IMPORTANTE ENQUANTO EU FALAR COM VOCÊ! Quando
eu me calar, terei lhe esquecido.
Talvez; por isso tudo, eu (ou uma grande parte de mim) viva,
hoje, numa vida inventada... Que mal isso pode fazer? Melhor seria ver e viver
somente da dura e áspera realidade que nos cerca? Não aguentaria. PRECISO SABER
QUE NÃO É APENAS ISSO! Preciso crer em dias melhores; pessoas melhores; em uma “Mari”
melhor...
Na minha vida “meio inventada” existem dias serenos; a morte
está distante; as pessoas que amo são eternas; não há gritos; não há fome; há
coragem; há saúde; há trabalho e salário
justos para todos; há olhares demorados e abraços macios... HÁ PESSOAS.
Na minha vida “meio inventada”, sobra tempo para SER; para SENTIR;
para OUVIR; para CONVERSAR... Diz: Na vida real, que
tempo nos sobra PRA VIVER! VI – VER e não apenas sobreviver? Na minha vida “meio
inventada”, tudo é INTEIRO e INTENSO. Se alguém me perguntar se passo o tempo
todo na minha vida “meio inventada”, a resposta é NÃO. Seria impossível. Há sempre
algo que me traz de volta: um grito; o relógio; a correria; as ocupações e as
preocupações. Mas, volto sempre para ela e lá descanso.
Por fim, preciso dizer: não estou NUNCA SOZINHA na minha
vida “meio inventada”. Muitas pessoas, nem sonham, mas estão sempre lá comigo. Por
vezes, eu as levo; por vezes, elas me levam. Importa que, nestes momentos, ainda
que breves, VIVEMOS PLENAMENTE e absorvemos o suficiente do que é “do bem” e “da
luz” para continuar a VIDA REAL. Se me achar louca, não me importarei. Essa
conversa é mesmo surreal; mas, acredite: TODAS AS POSSIBILIDADES SÃO REAIS NA
MINHA VIDA “MEIO INVENTADA”.